por Helio Gurovitz
colunista do G1
Enquanto a presidente Dilma Rousseff se vê obrigada a afirmar que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, permanece no cargo – sinal evidente de que ele balança –, o governo se encaminha para mais uma vez (a terceira, pelas minhas contas, mas que diferença faz?) abaixar a meta fiscal deste ano. Desta vez, não haverá como escapar de um déficit, estimado por alguns em 0,15%, por outros em 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Sejamos francos: saia ou fique, Levy já fracassou. Sua missão era equilibrar as contas públicas e recuperar a credibilidade do Brasil no mercado internacional. Não conseguiu nem uma coisa nem outra.
A questão central, é preciso insistir, não está na economia. A situação econômica de hoje é um reflexo das opções políticas tomadas pelo Brasil nas últimas décadas – desde, pelo menos, a Constituição de 1988. Tornar Levy o responsável por não conseguir vencer as inúmeras restrições impostas pelo Estado brasileiro equivale a culpar o imediato do navio pela qualidade sofrível da madeira do casco. Temos um Orçamento 90% engessado, e Levy pouco pode fazer em relação a isso. Quem pode – talvez uma aliança entre Executivo e Legislativo em nome da salvação nacional, algo parecido com a tal Agenda Brasil proposta a certa altura da crise –, já ficou claro que não quer. E não quer porque implica perda de poder e de influência dos atores políticos sobre os vários braços do nosso Estado desconjuntado. Nenhum político quer perder poder.
O que se discute agora sob o abrangente nome de “ajuste fiscal” – aquilo mesmo que Dilma jurou que não faria na campanha do ano passado – é, portanto, apenas um remendo no casco, bem discreto, para evitar a entrada de mais água. De onde virá a madeira para ele – do tampo do piano, dos móveis do salão de festa, do quarto do capitão, do assoalho da terceira classe? –, é menos relevante. Claro que o governo deveria, em vez de ficar defendendo mais impostos, no mínimo cumprir o que anunciou. É o fim da picada suspender o corte dos 3 mil cargos de confiança apenas para preservar no Congresso uma aliança frágil que evite o impeachment. Mas o mais importante, agora, talvez seja deixar claro para todos que a água já entrou. Já começamos a afundar. E a responsabilidade de Levy nisso é mínima, talvez nula.
De quem é a responsabilidade? Os mais afoitos não tardarão a culpar os corruptos. É verdade, como revelam as investigações da Operação Lava Jato, que uma extensa quadrilha se apoderou de nacos substanciosos do Estado Brasileiro, em especial da Petrobras, que passaram a administrar em defesa de seus próprios interesses. A política do Brasil para a infraestrutura passou a ser praticamente decidida em gabinetes fechados, sob o comando de gente como o viscoso ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Naturalmente, o país ficou sem refinarias, sem estradas, sem usinas, nem ferrovias, nem hidrelétricas. Mas a corrupção, não esqueçamos, vem sendo desmascarada, dentro das regras da democracia. Mesmo que ela fosse erradicada por completo, isso não eliminaria as leis que regem nosso Estado disfuncional, um ralo que consome há décadas nossa poupança e o fruto do nosso trabalho, pouco – se algo – oferecendo em troca.
Infelizmente, de nada adiantará prender todos os políticos corruptos do PT, do PMDB, do PSDB, do PDT, do PP etc. – se as regras continuarem a estimular o país a funcionar na base do compadrio e de uma relação espúria de dependência entre os setores público e privado. Em poucos meses, uma outra quadrilha começará a se aproveitar da oportunidade, e logo estaremos de novo na mesma situação. O essencial é garantir instituições que impeçam isso de acontecer. Elas até estão aí. Mas precisam ter mais autonomia e ser respeitadas. É por isso que a questão central é política.
Temos de saber desconfiar das soluções fáceis, que atribuem a responsabilidade por problemas seculares apenas a fulano ou beltrano. Nossa classe política carece de líderes à altura dos nossos problemas, é fato. Nossa população parece incapaz de compreendê-los e elege populistas que apenas se aproveitam da fraqueza das instituições para se locupletar, outro fato. Para isso, têm o apoio de intelectuais absolutamente equivocados sobre o diagnóstico dos nossos problemas reais e de marqueteiros sempre dispostos a enganar o eleitorado nas campanhas. Tudo isso não mudará de uma hora para outra. Dependerá, claro, de quem forem o capitão e o imediato. Mas ninguém no posto será capaz de fazer a borrasca passar num passe de mágica ou terá uma varinha de condão capaz de consertar os rombos no casco. Leva tempo. É difícil. E não há garantia alguma de que dará certo e rumaremos a um porto tranquilo, em vez de soçobrar.
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